O nascimento do primeiro filho: (Im)perfeitas mudanças

 

O nascimento do primeiro filho constitui um dos momentos mais importantes na vida, e uma das grandes etapas do ciclo de vida do casal. Muitas vezes é encarado como o culminar da felicidade do casal, espelhado nos filmes e nas histórias que ouvimos desde crianças: no final casaram (tiveram filhos) e viveram felizes para sempre. A expectativa é, assim, quase sempre muito elevada: chegou finalmente o momento de ser feliz! Apaixonámo-nos, namorámos, crescemos, discutimos, casámos, discutimos, lutámos, tivemos um filho. O que eu andei para aqui chegar…

Constituindo este um momento, sem dúvida, de extrema felicidade, a verdade é que constitui também, para o casal, um momento de grande transformação e muitas vezes de crise. O assumir dos novos papéis de mãe e de pai implica necessariamente uma mudança no casal. Estudos indicam que 70% das mulheres se sente insatisfeita com o casamento no final do primeiro ano de vida do filho, e os homens revelam essa insatisfação um pouco mais tarde (Gottman, 1999). Esta insatisfação vem por vezes associada a sentimentos de culpa e frustração: “este não devia ser o período mais feliz das nossas vidas? Então porque é que de repente nos passámos a dar mal?”.

A chegada de um filho tem uma série de implicações práticas na vida de um casal. A falta de tempo, a falta de sono, o choro constante – chora de quê? De fome? De sono? De dores? -, as fraldas, os banhos, as papas, as cadeirinhas, a nova dinâmica familiar alargada – “a minha mãe disse-me para te dizer que ele deve dormir de lado, e não como disse o teu tio…” – há toda uma série de ajustes que ocupam o tempo e a disponibilidade quase por completo. E além dos aspectos mais práticos e que tantas vezes geram discussões no casal – “como é possível que não tenhas posto a máquina da roupa a lavar, com toda esta confusão?!; “eu disse-te que hoje não era dia de visitas dos teus pais, preciso de descansar!!!” – juntam-se outras dificuldades, menos visíveis e por vezes difíceis de gerir. Surgem dúvidas quanto às capacidades de ser boa mãe/pai, e também quanto aos sentimentos no casal: “só falamos para resolver quem fica com ele na manhã seguinte ou sobre as suas novas aprendizagens”; “não tenho sentido desejo sexual, já não gostarei dele/dela?”; “simplesmente já não conseguimos falar, e nós que tínhamos sempre assunto”. O que foi feito de nós?”.

Apesar de todas as exigências exteriores, este é também o tempo de apostar no casal. Algumas estratégias podem ajudar: promover espaços só para o casal, mesmo que se resumam àquela hora de descanso; estar atento ao outro e às suas necessidades, mostrar compreensão; aprender a expressar as nossas próprias dificuldades e emoções sobre o que queremos, precisamos, gostamos; aprender a conciliar diferenças, nomeadamente em relação aos estilos parentais; aprender a gerir os novos conflitos, estar disponível para mudar algumas coisas na forma de estar com o outro.

Muitos casais dirão que simplesmente não é a altura de pensarem neles e na sua relação: “este tempo é do meu filho, só quero o seu bem-estar”. É claro que um filho é uma prioridade, mas esquecemo-nos tantas vezes que o seu bem-estar também passa pelo nosso. Afinal, somos o seu primeiro modelo na forma como lidamos connosco, com o outro, com a vida. Estarmos bem com o outro não significa estar sempre tranquilo, não discutir, nunca estar triste, não ter conflitos ou dificuldades, mas sim que nos respeitamos e às nossas necessidades, que damos espaço à imperfeição – minha, tua, nossa – e que criamos oportunidades de aprender a geri-la. Para que nos sintamos bem. Connosco, com o outro, com a vida.

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